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domingo, 26 de junho de 2011

A incrível história do poste que, de tanto se comover, virou Ipê.

Nunca achei que tivesse vocação para ser pedra. Eu sempre pensava isso enquanto assistia a cidade e o tempo cronológico passarem no cruzamento daquela grande avenida com aquela grande avenida.
Não que ser poste mereça qualquer tipo de desmerecimento, longe disso (há até algo de quase heróico na idéia de possibilitar, através do meu ser, a passagem de energia), mas não basta, se você é do tipo de cimento que sente demais.
O problema era todo esse - eu me comovia muito. Talvez eu tivesse conseguido, se eu não me comovesse tanto...
Ali, fincado ao chão, eu me comovia com tudo o que me alcançava - o por-do-sol, as luzes da cidade, as músicas, frases e palavras que me faziam querer poder chorar, ou rir, ou os dois; com os desconhecidos que passavam por perto e que nem de um tiquinho reconheciam minha presença muda e firme, mas cujos destinos e vidas eu tomava a liberdade de arrancar para mim, para traça-los virtualmente.
Me comoviam os cheiros, ares, dores, ruídos de TV e de tudo o mais. Eu me comovia com o frentista do posto, com o flanelinha, com o limpador de vidros, com os pedintes e vendedores ambulantes e catadores de lixo, com os carros, com o fumê dos carros, com as vidas dentro e fora dos veículos e, sobretudo com os olhinhos vagantes daqueles que, de dentro do onibus, parecem querer se atirar pra fora da janela e direto pra dentro do coração do mundo.
Me comovia até com as coisas poucas, que de tão pequenas eu sequer via - na verdade há nelas tanto que extrapola os limites de tudo que existe, porque elas já meio que são tudo que existe - de tão pequenas, tão enormes que perde-se a dimensão.
Tanto amor e tanta beleza que há nesse mundo. Ser de cimento e ferro não tava dando conta.
Até que um dia, de tanto sentir esse amor, essa beleza e essa comoção toda (pelo menos essa foi a única explicação lógica que eu encontrei) comecei a sentir subir em mim uma energia outra - muito diferente da que perpassava meu pelos metálicos - esta vinha de baixo, de dentro do último lugar que se pode ir dentro da terra antes de começar a voltar pra cima. E, entes que eu pudesse compreender, tive que reconhecer - eu havia criado raizes!
Não demorou a partir dai para que as seivas e todo o resto começassem a fazer cócegas gostosas enquanto passeavam quentinhos pelas minhas entranhas e, do cimento cinza e frio, foram brotando pequenos galhos. Das minhas têmporas eles rasgavam tudo e saltavam para fora, recheados de folhas amarelas.
De poste, virei algo muito parecido. Virei Ipê.
E agora continuo me comovendo muito, ou mais. De poste para um Ipê que se comove.
E que se comove tanto.

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